Dois anos depois de nossa última conversa, Dom Cappio fala, na entrevista que concedeu à IHU On-Line, por telefone, sobre a situação atual das obras de transposição do rio São Francisco e como ele e os movimentos sociais estão trabalhando na luta contra o projeto. “O projeto segue adiante, mas não na velocidade prevista. Quem está trabalhando é praticamente só o exército. Quase todas as empresas deixaram o campo de obras por conta de atrasos em relação aos pagamentos e a falta de confiança nos recursos referentes ao projeto”, explica o bispo de Barra, na Bahia.
Dom Cappio fala também da relação das eleições com os projetos que ele chama de ‘megalomaníacos’. “Não adianta ser contra alguma coisa e depois votar naquelas que estão levando adiante este projeto. Estamos fazendo um trabalho de conscientização popular para que o pessoal perceba que o nosso voto é responsável por todas essas loucuras que depois os governos fazem”, revela.
Dom Luiz Flávio Cappio vive na Bahia, onde está à frente da Diocese de Barra. Em 2005 e 2007 fez greve de fome em protesto contra o projeto do governo federal de transposição do rio São Francisco. Em 2008, a organização Pax Christi Internacional (Bélgica) deu a Dom Cappio o prêmio da Paz do mesmo ano, por sua luta em defesa da vida na região do São Francisco. Em 2009, recebeu o Prêmio Kant de Cidadão do Mundo, da Fundação Kant (Alemanha).
IHU On-Line – Em que estágio encontra-se a transposição do rio São Francisco? Qual a situação atual das obras?
Dom Cappio – O projeto segue adiante, mas não na velocidade prevista. Quem está trabalhando é praticamente só o exército. Quase todas as empresas deixaram o campo de obras por conta de atrasos em relação aos pagamentos e a falta de confiança nos recursos referentes ao projeto. Temos notícias de que a obra está praticamente parada. Então, a situação hoje do projeto de transposição de águas do Rio São Francisco é caótica, já estamos no final dos prazos previstos e apenas 15% da obra foi executada. Serviços de infraestrutura junto àqueles que requerem maiores tecnologias nem sequer foram iniciados.
IHU On-Line – A obra já começou. O senhor já vê alguma influência na vida do São Francisco?
Dom Cappio – Por enquanto, ainda não significou muito na vida do rio e de quem depende dele.
IHU On-Line – Em relação à resistência, onde estão os movimentos sociais e o movimento indígena?
Dom Cappio – Os movimentos sociais, as universidades e a sociedade civil nunca se calaram, nunca ficaram parados. Agora mesmo estive na Europa participando de uma série de palestras, encontros e debates e vi que não apenas o Brasil, mas o mundo todo se levanta contra o projeto de transposição de águas e agora também contra o projeto de Belo Monte no Pará. São obras muito grandes de alto investimento de recursos públicos e praticamente baseados em uma tecnologia totalmente ultrapassada, então são recursos do dinheiro público investidos em tecnologias totalmente superadas. Isso nos causa uma indignação muito grande, principalmente porque sabemos que o projeto de transposição é totalmente eleitoreiro. O objetivo do projeto já foi alcançado, que era os recursos para o atual tempo de política eleitoral. Desta forma, os recursos já foram todos amealhados para a atual campanha. Se o projeto de transposição vai ou não adiante, isso é secundário, o importante para quem faz parte dessa jogada já foi conquistado.
IHU On-Line – E o pessoal que apoiou a sua greve de fome?
Dom Cappio – No debate dos presidenciáveis na Rede Viva, o Plínio de Arruda Sampaio, que é um dos mentores de todas essas lutas sociais, por várias vezes citou toda nossa luta contrária ao projeto de transposição. As grandes mobilizações continuam, só que a imprensa não divulga, a imprensa que está a serviço do poder simplesmente ignora as manifestações todas. Jamais a sociedade civil parou de se manifestar e de reagir, indignada diante do projeto.
IHU On-Line – Em relação aos candidatos à presidência, apenas o Plínio se manifestou quanto à transposição?
Dom Cappio – O Plínio é quem claramente se manifesta contra. Ele é a pessoa que, desde o início, com toda a clareza, se manifestou contrário ao projeto de transposição de águas do rio São Francisco.
IHU On-Line – Como o senhor pretende se posicionar nas próximas eleições?
Dom Cappio – Todos que lutam em defesa do rio São Francisco sempre dizem que não podemos apoiar de maneira nenhuma aqueles candidatos à Presidência da República, aos governos estaduais, ao Senado e às câmaras de deputados que dão o seu aval a esse tipo de projeto, seja o de transposição de águas, seja o de Belo Monte e outros projetos similares. Nós não podemos, de forma nenhuma, apoiar estes políticos, porque uma coisa é você ter consciência ecológica e se manifestar contrário a projetos antiecológicos, antissociais e antieconômicos, e outra coisa é você votar em pessoas que apóiam estes projetos.
Se nós somos contrários a estes projetos, não podemos de maneira nenhuma apoiar candidatos que são a favor, que são os promotores destas ideias. Eu não vejo muito futuro para esses projetos porque são megalomaníacos, imensos, grandes, que nunca terão fim, porque são obras que vão consumir muitos recursos públicos. Desde o início, temos avisado que estes projetos não vão chegar ao fim, são projetos eleitoreiros. Uma vez passada as eleições, o pessoal não vai estar nem aí se a obra vai adiante, se termina ou se não termina. Levar água para as comunidades irá depender dos governos estaduais e municipais e é utópico achar que estes vão fazer as partes complementares do projeto.
Eu sou um homem público e o povo tem direito de saber o que o pastor pensa. No primeiro turno eu vou votar muito feliz porque vou de Plínio de Arruda Sampaio, que é uma pessoa íntegra, um cristão verdadeiro. Plínio foi um dos fundadores do PT e, assim como nós, também lutou pela implementação de um partido dos trabalhadores, desde o momento em que o PT se desviou dos ideais, se retirou do partido. Eu voto com muita felicidade, com muita alegria no primeiro turno para Plínio. Será um voto consciente dado com amor. No segundo turno, eu dou um voto com tristeza, porque não é um voto que eu gostaria de dar. Como provavelmente não teremos outra opção, vou votar no Serra, mas esta não é uma opção feliz, no entanto em Dilma eu não voto.
IHU On-Line – Como chegaram aí as notícias de que o São Francisco pode comportar duas usinas nucleares?
Dom Cappio – Este é outro projeto absurdo. Para quem vive aqui, quem conhece a realidade deste povo, estes projetos feitos por técnicos, que não conhecem o rio e o povo ribeirinho, entre quatro paredes, são completamente loucos, não condizem com a realidade. Projetos como esse, precisam ser discutidos com a sociedade civil, e esses projetos não são discutidos com a sociedade civil. O projeto de transposição não foi a debate, assim como o projeto de Belo Monte. Pelo contrário, todos os projetos encontraram reações tremendas diante da sociedade civil. A ideia de usinas nucleares no São Francisco simplesmente se impõe de maneira ditatorial, antidemocrática e terrível.
IHU On-Line – O senhor tem conversado com a população ribeirinha sobre a transposição? Qual é o sentimento do povo?
Dom Cappio – O povo se sente traído e se manifesta. Nós temos dito que é preciso fazer, agora, uma ligação entre essa indignação e os votos que serão dados no dia da eleição. Não adianta ser contra alguma coisa e depois votar naquelas que estão levando adiante este projeto. Estamos fazendo um trabalho de consciência popular para que o pessoal perceba que o nosso voto é responsável por todas essas loucuras que depois os governos fazem.
IHU On-Line – O senhor considera que essa obra aumentará no futuro a popularidade de Lula no Nordeste ou funcionará ao contrário, ficará como uma herança maldita?
Dom Cappio – Eu sempre digo que nós não perdemos por esperar. O tempo mostra a verdade de todas as coisas e ele vai mostrar o significado da nossa luta e o que foi, na realidade, o governo Lula para o Brasil. A verdade, com o tempo, aparece.
Então, que nós, nessas eleições, possamos dar o nosso voto com muita consciência, sabendo que esse ato decide os destinos da nação. Um voto bem dado, uma nação feliz, um voto mal dado, infelicidade para todos. Que o povo brasileiro tenha muita consciência na hora em que for dar o seu voto.
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Ecodebate, 27/08/2010) publicado pelo
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